Por Francisco Marcelo*
Esta semana acompanhamos em alguns periódicos um intenso debate sobre o Projeto de Lei (PL) 73/1999, em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O PL estabelece Cotas nas Universidades Públicas Federais para negros e indígenas e deve obedecer ainda a critérios econômicos. A discordância entre cotas raciais e/ou cotas sociais e se o PL fere ou não a autonomia universitária tornou-se o centro das discussões no Senado.
Há pontos importantes a serem considerados nesse debate. O primeiro refere-se à questão da autonomia universitária invocada pelo reitor Amaro Lins, presidente da Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Ironicamente, a luta dos Movimentos Estudantis na década de 1960 por uma universidade autônoma, tinha como objetivo a democratização desse espaço e a defesa contra interesses políticos e econômicos. O que observamos hoje é a inversão da idéia da autonomia enquanto instrumento de defesa e democratização da universidade.
Racismo e preconceito
Os Conselhos Universitários lançam mão dessa autonomia para impedir a democratização da universidade. A vontade de qualquer instituição pública não pode estar acima dos interesses e demandas da nação para a qual nasceu para servir. A autonomia universitária não pode estar acima dos interesses das massas que, muitas vezes, têm no acesso ao ensino superior umas das poucas possibilidades de mobilidade social.
Da mesma forma, a adoção de Políticas de Ação Afirmativa de Acesso, as Cotas, sejam elas de recorte racial ou social, tem despertado um caloroso debate. O argumento mais recorrente faz referência à interconexão entre desigualdades raciais e desigualdades sociais, ou seja, entre a questão racial e da pobreza. É claro e evidente que a pobreza nesse país tem cor. Essa constatação nos leva a concordar numa condição de causa e efeito, no cerne de um processo que se auto-alimenta contínua e progressivamente. Mas a visão da pobreza associada ao negro acaba por naturalizar a própria pobreza.
No Brasil, a idéia de que negro é pobre está diretamente ligado ao racismo estrutural presente na nossa sociedade. Mas se engana quem pensa que o racismo, a discriminação e o preconceito atingem apenas a população negra pobre. A prática do racismo se evidência mais claramente quando o negro sai do seu lugar “natural” e passa a freqüentar lugares onde a sua presença não é habitual. Analisando alguns dados como a renda entre brancos e negros, perceberemos que as desigualdades são maiores entre a camada de maior escolaridade.
Permanência na universidade
Ironicamente, nunca se questionou a supremacia racial branca nos espaços universitários. As cotas surgem como instrumento para oportunizar aqueles que atingiram um grau de educação formal, com a ampliação de suas possibilidades. A cota tem o objetivo de oferecer ao jovem negro a chance de ascensão social antes negada a seus ascendentes. A implementação das Cotas nas Universidades Públicas Federais terá impacto direto na composição de um novo perfil da elite brasileira, além de contribuir para uma maior diversidade e pluralidade nas salas de aula, assim como ajudará no combate às desigualdades raciais na nossa sociedade. Nesse sentido, ela atua na valorização da presença negra nos espaços e posições sociais.
É verdade que várias Instituições de Ensino Superior Federais já adotaram alguma medida diferenciada de acesso. Mas é verdade também que poucas tiveram como foco o combate à discriminação racial e à democratização do ensino superior público. Em alguns casos, ficou claro que o que deveria ser uma medida de ampliação do acesso para jovens negras e negros no ensino superior, tornou-se um mecanismo de segregação, pois a quantidade de negros em vários cursos diminuiu o invés de aumentar.
Outro ponto importante e que deve ser debatido profundamente é a criação de um Plano Nacional de Assistência Estudantil de Permanência, com recorte específico para os beneficiários dos programas de Cotas. Infelizmente, ainda são ínfimos os Programas de Ações Afirmativas que venham acompanhados de um programa de permanência que permeie as demandas e necessidades dos estudantes cotistas. Acreditamos que este seja o principal papel da autonomia universitária: contribuir pra o fim do racismo, das discriminações diretas e indiretas e do preconceito, que, no seu conjunto, agem como entraves na mobilidade ascendente para a maioria dos segmentos mais pauperizados desse país.
* Francisco Marcelo é geógrafo e articulador estudantil do Programa Conexões de Saberes
Artigo publicado no endereço:
http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=501
Esta semana acompanhamos em alguns periódicos um intenso debate sobre o Projeto de Lei (PL) 73/1999, em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O PL estabelece Cotas nas Universidades Públicas Federais para negros e indígenas e deve obedecer ainda a critérios econômicos. A discordância entre cotas raciais e/ou cotas sociais e se o PL fere ou não a autonomia universitária tornou-se o centro das discussões no Senado.
Há pontos importantes a serem considerados nesse debate. O primeiro refere-se à questão da autonomia universitária invocada pelo reitor Amaro Lins, presidente da Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Ironicamente, a luta dos Movimentos Estudantis na década de 1960 por uma universidade autônoma, tinha como objetivo a democratização desse espaço e a defesa contra interesses políticos e econômicos. O que observamos hoje é a inversão da idéia da autonomia enquanto instrumento de defesa e democratização da universidade.
Racismo e preconceito
Os Conselhos Universitários lançam mão dessa autonomia para impedir a democratização da universidade. A vontade de qualquer instituição pública não pode estar acima dos interesses e demandas da nação para a qual nasceu para servir. A autonomia universitária não pode estar acima dos interesses das massas que, muitas vezes, têm no acesso ao ensino superior umas das poucas possibilidades de mobilidade social.
Da mesma forma, a adoção de Políticas de Ação Afirmativa de Acesso, as Cotas, sejam elas de recorte racial ou social, tem despertado um caloroso debate. O argumento mais recorrente faz referência à interconexão entre desigualdades raciais e desigualdades sociais, ou seja, entre a questão racial e da pobreza. É claro e evidente que a pobreza nesse país tem cor. Essa constatação nos leva a concordar numa condição de causa e efeito, no cerne de um processo que se auto-alimenta contínua e progressivamente. Mas a visão da pobreza associada ao negro acaba por naturalizar a própria pobreza.
No Brasil, a idéia de que negro é pobre está diretamente ligado ao racismo estrutural presente na nossa sociedade. Mas se engana quem pensa que o racismo, a discriminação e o preconceito atingem apenas a população negra pobre. A prática do racismo se evidência mais claramente quando o negro sai do seu lugar “natural” e passa a freqüentar lugares onde a sua presença não é habitual. Analisando alguns dados como a renda entre brancos e negros, perceberemos que as desigualdades são maiores entre a camada de maior escolaridade.
Permanência na universidade
Ironicamente, nunca se questionou a supremacia racial branca nos espaços universitários. As cotas surgem como instrumento para oportunizar aqueles que atingiram um grau de educação formal, com a ampliação de suas possibilidades. A cota tem o objetivo de oferecer ao jovem negro a chance de ascensão social antes negada a seus ascendentes. A implementação das Cotas nas Universidades Públicas Federais terá impacto direto na composição de um novo perfil da elite brasileira, além de contribuir para uma maior diversidade e pluralidade nas salas de aula, assim como ajudará no combate às desigualdades raciais na nossa sociedade. Nesse sentido, ela atua na valorização da presença negra nos espaços e posições sociais.
É verdade que várias Instituições de Ensino Superior Federais já adotaram alguma medida diferenciada de acesso. Mas é verdade também que poucas tiveram como foco o combate à discriminação racial e à democratização do ensino superior público. Em alguns casos, ficou claro que o que deveria ser uma medida de ampliação do acesso para jovens negras e negros no ensino superior, tornou-se um mecanismo de segregação, pois a quantidade de negros em vários cursos diminuiu o invés de aumentar.
Outro ponto importante e que deve ser debatido profundamente é a criação de um Plano Nacional de Assistência Estudantil de Permanência, com recorte específico para os beneficiários dos programas de Cotas. Infelizmente, ainda são ínfimos os Programas de Ações Afirmativas que venham acompanhados de um programa de permanência que permeie as demandas e necessidades dos estudantes cotistas. Acreditamos que este seja o principal papel da autonomia universitária: contribuir pra o fim do racismo, das discriminações diretas e indiretas e do preconceito, que, no seu conjunto, agem como entraves na mobilidade ascendente para a maioria dos segmentos mais pauperizados desse país.
* Francisco Marcelo é geógrafo e articulador estudantil do Programa Conexões de Saberes
Artigo publicado no endereço:
http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=501
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