sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ações afirmativas e diferenciação de gênero

Diferenciação de gênero:
amar e mudar as coisas

07/01/10


É importante diferenciar o gênero nas nossas falas e textos para incluir, nominalmente, a mulher na história. Apesar das mulheres desempenharem importante papel na história, esta, por muito tempo foi escrita pela classe dominante (homens, ricos, brancos, europeus), representando o pensamento da classe dominante. Por isso, convencionou-se que ao falar de “homem” incluía-se a mulher – essa é uma das maneiras de inferiorizar e subjulgar as mulheres.

A língua portuguesa foi ganhando forma por volta do século XIII. A masculinização do português remonta a esse período da Europa no qual a mulher não era considerada cidadã, não tinha direitos políticos e no casamento era considerada propriedade do marido e este respondia legalmente por ela.

Pode-se perceber alguns casos de omissão da participação das mulheres na história: a Revolução Neolítica com o desenvolvimeto da agricultura a partir da observação da natureza pelas mulheres, na Revolução Francesa, onde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão referia-se, literalmente, apenas aos homens – a proposta de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã foi rejeitada. A Comuna de Paris, uma revolta popular contra a opressão do Estado, que foi iniciada pelas mulheres. As revoltas contra a escravidão no Brasil tiveram paticipações ativa de mulheres, como Dandara na luta em defesa do quilombo de Palmares. Essas personagens são diluídas, omitidas e esquecidas quando usa-se o universal masculino, mostrando este ser mais uma face cruel da opressão contra as mulheres. Daí a importância da diferenciação de gênero para afirmar e valorizar a participação das mulheres na história e na sociedade.

Um exemplo bem emblemático é a evolução do movimento gay/homossexual. Ainda por conta do machismo, que neste caso atinge homens e mulheres gays, a evidência da homossexualidade ficou focada no homem. Então, com a crescente do movimento feminista e de mulheres gays (décadas de 1960/70), estas preferiram se diferenciar reforçando o termo lésbica, justamente para se diferenciar do termo gay, pois este era identificado principalmente com os homens. Assim, a sigla GLBT foi mudada no Brasil para LGBT (2008) a fim de possibilitar maior visibilidade às mulheres.

Esse debate ganha força com a discussão acerca das ações afirmativas, definidas por Flávia Piovesan (2004) como “medidas especiais e temporárias que buscam remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo com o alcance da igualdade substantiva por parte dos grupos socialmente vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, entre outros grupos”. E aqui podemos incluir a questão de gênero.

Assim, estamos numa etapa que ainda não podemos pular: é o momento de afirmação da diferenciação de gênero! Reforçamos isso porque está sendo recorrente em alguns movimentos sociais a negação/omissão do gênero como forma de desmasculinizar a língua. Ou seja, ao invés do universal masculino (amigos, professores) e da diferenciação de gênero (todos e todas, professoras/es) está sendo omitido o gênero adotando o “@” ou o “x” (amigxs, professor@s) ou expressões unissex como “compas”. Não podemos justificar o não uso da diferenciação de gênero com argumentos como estética, economizar palavras/tempo. Transformação social requer esforço, luta.

Por outro lado, há aquelas/es que desconsideram a diferenciação de gênero como ferramenta para a transformação social argumentando que não adianta mudar as palavras se não mudar as pessoas. Essa explicação parece mais uma fuga do que um caminho, pois um não impede o outro e tão pouco pretende-se limitar a transformação social ao plano ortográfico/gramatical. Defendemos as ações afirmativas como uma ferramenta, não a única, mas como parte da luta pela transformação social e do combate às opressões.

ENTRE RESPEITAR A LÍNGUA, A TRADIÇÃO OU AS MULHERES, SEM DÚVIDAS:

TODO RESPEITO E SOLIDARIEDADE ÀS MULHERES!

Forum de Estudantes de Origem Popular
Secretaria Nacional de Casas de Estudantes regional Norte Nordeste


Referências
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã
Mulheres guerreiras - Dandara
Formação da língua portuguesa
Mudança da sigla para LBGT


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danilo, feop/se
sencenne coord. regional

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

ENEM: o que é comodificado é mercadoria

Roberto Leher (FEUFRJ)

O ramo de negócios educacionais tem na avaliação estandardizada um dos seus principais filões. Não foi por outro motivo que, quando as corporações educacionais dos países hegemônicos reivindicaram na OMC a liberalização da educação, incluíram a abertura dos editais de avaliação padronizada à concorrência internacional1.

A avaliação do ensino médio por meio do ENEM está inscrita na mercantilização da esfera educativa e as recentes fraudes no Exame, denunciadas pelo O Estado de São Paulo e, com mais detalhes, por outros jornais, estão intimamente associadas a essa comodificação: a avaliação foi deslocada da esfera educativa para a do dinheiro. E esse movimento tem consequências.

Embora os Estados não possam tolerar determinadas ilegalidades, como é o caso óbvio da venda de provas (não resta dúvida de que para o MEC isso foi um desastre), a busca de lucros com a mercadoria avaliação inevitavelmente deixa brechas, pois, no circuito mercantil, as fronteiras entre o lícito e o ilícito são muito porosas e fluidas.

O serviço terceirizado de avaliação para ingresso na universidade (ENEM) tem origem nas empresas nutridas pela política de vestibulares da ditadura empresarial- militar, como é o caso, no Rio de Janeiro, da Fundação Cesgranrio. Como parte da concorrência pelo lucro, fundações de direito privado nascidas nas universidades públicas entraram no negócio. Os recentes acontecimentos envolvendo as fundações privadas na UnB, UFSP e pelo alentado relatório do TCU2 atestam que, nelas, os negócios ilícitos não são uma rara excepcionalidade.

Cabe indagar: qual a legitimidade desses consórcios e empresas que se engalfinham por dinheiro para avaliar o conjunto da juventude que concluiu o ensino médio e que almejam prosseguir seus estudos? Nesse ambiente mercantil, muito provavelmente surgirão outros problemas no futuro, colocando o caráter público das universidades em jogo. São dezenas de milhões de Reais, concorrências duras, alianças e cisões entre grupos que operam essa capitalizada máquina de venda de serviços de avaliação.

O que mais surpreendente nas contradições do processo de comodificação da avaliação é que as próprias instituições públicas assimilaram que a avaliação é um serviço a ser subcontratado. A autonomia didático-cientí fica da universidade, assegurada pela Constituição, é tornada letra morta. É como se a experiência de luta das universidades públicas contra o vestibular unificado não tivesse ensinado que a avaliação é parte indissociável da autonomia universitária.

Não é fato que o vestibular das públicas é estritamente conteudista e o ENEM é uma prova que privilegia o “raciocínio”. Há muitos anos a UFRJ vem aperfeiçoando seus exames, combinando a imprescindível aferição do conhecimento científico, tecnológico, artístico e cultural com a apropriação da linguagem e com a capacidade operatória de aplicar o conhecimento na análise de problemas. A rigor, afirmar que na ciência, na arte e na cultura é possível raciocinar sem conceitos é um absurdo epistemológico.

O vestibular é um instrumento de seleção que somente tem sentido porque o direito à educação não é assegurado pelo Estado. O vestibular atual sequer assegura as vagas daqueles estudantes que foram aprovados nas provas (gerando os chamados excedentes que, em 1968, impulsionaram a rebeldia estudantil e que o vestibular unificado veio fazer desaparecer! ). Contudo, a seleção feita pelas próprias universidades, em âmbito estadual, tem o mérito de poder ampliar as interações das escolas de ensino básico com a universidade em cada estado, buscando maior congruência entre a universidade e as escolas, por meio de desejáveis articulações educacionais com a rede pública da educação básica.

As ditas provas de “raciocínio” do ENEM, a pretexto da democratização, vêm promovendo um rebaixamento da agenda de estudos que terá conseqüências muito negativas para a educação básica. É uma quimera afirmar que um exame rebaixado e nacional abre a universidade pública aos setores populares. Como o exame é classificatório, não importa se o último ingressante teve nota 5, 6 ou 9. Este é um sistema que beneficia o mercado privado de educação: os estudantes que não lograram serem classificados nas públicas não terão outra alternativa que a de buscar uma instituição privada. E o MEC, reconhecendo a dita eficiência privada no fornecimento da mercadoria educação, prontamente se disponibiliza a repassar recursos públicos para incentivar as privadas a atender ao crescimento da deman da.

Ao contrário da publicidade oficial, o ENEM privilegia os estudantes de maior renda. Um estudante paulista que, apesar de elevada nota, não ingressou na faculdade de medicina da USP (dada a concorrência) , poderá, com os seus pontos, frequentar o mesmo curso em uma universidade pública em outro estado, desde que tenha recursos. A mobilidade estudantil pretendida somente favorece os que possuem renda para se deslocar, uma vez que as universidades não dispõem de moradias estudantis e políticas de assistência estudantil compatível com as necessidades.

O atual desmonte do ENEM pode ensejar um debate mais amplo e profundo sobre as formas de ingresso na universidade que permita a superação progressiva do vestibular. Experiências de ingresso a partir de políticas públicas de educação nas escolas públicas, considerando a situação econômica dos estudantes, podem ser um viés fecundo, um caminho para que a universalização do direito à educação seja de fato uma universalização em que caibam todos os rostos.

[1] No Documento S⁄CSS⁄W⁄23, de 18 de dezembro de 2000, dirigido ao Conselho de Comércio de Serviços da OMC, os EUA apresentam uma proposta relativa aos serviços de ensino superior, ensino de adultos e de capacitação com o objetivo de “liberalizar a comercialização deste importante setor da economia mundial removendo obstáculos que se opõem à transmissão desses serviços além da fronteiras nacionais por meios eletrônicos ou materiais ou o estabelecimento e exploração de instalações para proporcionar serviços a estudantes em seu país ou no estrangeiro”.

[2] . Tribunal de Contas da União, Acórdão 2731/ 2008
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Retirado do site do MEPR - Movimento Estudantil Popular Revolucionário
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Enviado por Sabrina
danilo, feop/se
sencenne coord regional

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Estudantes de Origem Popular e Ações Afirmativas*

11/01/10

Falar de “Estudantes de Origem Popular” (EOP) normalmente inicia uma outra discussão: origem popular quer dizer que vem do povo, mas o que é povo? Bem, nesse texto trabalharemos a idéia de popular como aquelas pessoas oriundas das camadas socialmente vulneráveis: baixa renda, histórico familiar de pouca escolaridade e cursado em escola pública, moradia em espaços populares (áreas de remanescentes de quilombos, áreas de assentamentos e ribeirinhas, favelas, bairros periféricos ou territórios assemelhados), trabalho informal ou familiar, dentre outros fatores.

Ser EOP é então conviver com diversas dificuldades que interferem na formação educacional. Não raro provoca atraso nos estudos ou mesmo o abandono – e as conseqüências formam um círculo vicioso difícil de ser rompido.

Com baixa escolaridade, as opções de emprego são muito limitadas, predominando o trabalho informal que possivelmente proporcionará baixa renda. Com a formação da família suas/seus filhas/os tendem a repetir esse ciclo de dificuldades, uma vez que é difícil de ser rompido. Bem, é difícil, mas não impossível.

Como sabemos, a educação é um ponto chave na sociedade. Sendo assim, o acesso ao ensino superior é fundamental, mas essa entrada, condicionada às inúmeras dificuldades já relacionadas anteriormente mais o exame de seleção (vestibular/ENEM), apresenta diversos fatores que impedem o acesso e a permanência dos EOP’s nas Universidades.

Contudo, as/os EOP’s que conseguem chegar ao ensino superior geralmente são pela escolha de cursos de menor concorrência (menor prestígio social e menor retorno financeiro). E ainda têm a dificuldade de se manterem na Universidade que, mesmo as públicas, tem diversas despesas (transporte, cópia, alimentação) que provocam a evasão.

Por ACESSO entendemos a trajetória escolar e o exame de vestibular. A má qualidade das escolas públicas, a divisão do tempo dos estudos com o trabalho e a concorrência no vestibular tende a excluir as/os EOP’s do ensino superior. Daí a necessidade de ações afirmativas como a criação de Pré-Vestibulares Populares e as Políticas de Cotas.

Por PERMANÊNCIA entendemos a garantia com qualidade das condições de estudos até a conclusão. Daí a necessidade de Assistência Estudantil como isenção das taxas institucionais, bolsa estudo/trabalho/pesquisa, Residência Universitária, Restaurante Universitário, dentre outros pontos conforme o PNAES – Planos Nacional de Assistência Estudantil.

Esses dois aspectos – acesso e permanência qualificada – refletem duas tendências:

a) A universidade pública é um ambiente elitizado. O acesso de EOP democratizaria o ensino superior.

b) Hoje, do reduzido número de EOP’s que ingressam na universidade, parte considerável atraza ou desiste dos estudos por não ter condições de se manter, conforme pesquisa do Fonaprace (2004). A evasão desses estudantes contribui para a contínua elitização do ensino superior. Evitar a evasão é um passo para alterar esse quadro.

O que se busca não são privilégios ou a formação de uma “elite às avessas”, mas que seja oferecida condições de igualdade a grupos socialmente desiguais. E não que se continue a farsa de tratar como iguais grupos historicamente desiguais.


* Revisado do texto original escrito em 2008 como parte da formação política proposta pelo feop/se (ministrado por Danilo e Helenilza) para o pre-vestibular popular do município da Barra dos Coqueiros organizado pelo Conexões de Saberes/UFS/MEC/Secad em parceria com a prefeitura local.

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Danilo, feop/se
sencenne coord. regional