segunda-feira, 13 de abril de 2009

A assistência estudantil frente a política neoliberal

Participação de Danilo (Fneop) no XXXI ERESS - Encontro Regional de Estudantes de Serviço Social (AL, SE e BA), 10.04.09 na UFS

Mesa: "Reforma Universitária no contexto neoliberal"
Eixo 2: "Assistência estudantil frente à lógica neoliberal"

Meu nome Danilo, sou do curso de história, sou professor do ensino fundamental maior numa escola particular de bairro, atuo no movimento estudantil no Feop – Fórum de Estudantes de Origem Popular e no Movimento de Casas de Estudantes, na UFS no Merrelê – Movimento Resistência e Luta e no ME de História. O tema de minha monografia é sobre a assistência estudantil da UFS e para começar a falar da assistência estudantil frente a política neoliberal podemos conceituar o que é assistência estudantil.

Por assistência estudantil entende-se um conjunto de princípios que norteiam políticas de acesso, permanência e conclusão do curso na perspectiva de uma formação política e pedagógica com qualidade voltadas para as/os eop's – estudantes de origem popular. Mas quem são as/os eop's? Um perfil básico que podemos traçar é o seguinte: normalmente é a primeira geração no ensino superior, cursaram a maior parte de sua trajetória escolar em escolas públicas, pais com o ensino básico incompleto, renda familiar insuficiente para se manterem na Universidade e moradores de espaços populares como assentamentos ou periferias. De acordo com o PNAES – Plano Nacional de Assistência Estudantil - compreendem-se como ações de assistência estudantil iniciativas desenvolvidas nas seguintes áreas: I - moradia estudantil; II – alimentação; III – transporte; IV - assistência à saúde; V - inclusão digital; VI – cultura; VII – esporte; VIII - creche; e IX - apoio pedagógico.

Apesar de na maioria das vezes ser tratada como assistencialismo, em grande parte por conta da tradição paternalista e clientelista do Estado brasileiro, a assistência estudantil é um direito e deve ser reivindicada como tal. Como direito, não será dada e nem deve ser pedida. Direito se exige e se conquista. No ano passado tivemos dois casos bem exemplares disso que foram as ocupações de reitoria na UFS e na UFRB em defesa da assistência estudantil. Ambas foram vitoriosas. Dessa forma, as/os estudantes de origem popular, por terem um perfil próprio e uma demanda específica, no caso a assistência estudantil, também possuem organização própria, além do Feop, que é o Movimento de Casas de Estudantes estruturado na SENCE – Secretaria Nacional de Casas de Estudantes, uma vez que junto com o Restaurante Universitário a Residência Universitária é o programa de assistência estudantil de maior destaque.

Contudo, a política neoliberal – que desde a década de 80 vem ganhando cada vez mais espaço – tem atacado os direitos das/os trabalhadoras/es e das/os estudantes de origem popular, que de fato são as/os filhas/os da classe trabalhadora. Dentro da lógica do Estado Mínimo pregado pelo neoliberalismo, que na verdade é mínimo para as/os trabalhadoras/es e máximo para o capital, a assistência estudantil tem sido apontada como um gasto desnecessário. Na prática, tudo que acarreta gastos para o Estado deve ser eliminado, transferindo-se para a iniciativa privada, inclusive a educação. Isso quer dizer em outras palavras a privatização do ensino que tem como conseqüência direta para as/os eop's o fim da assistência estudantil. De uma forma mais ampla, a educação que antes era reconhecida como um direito e um verdadeiro instrumento de libertação e construção da igualdade, passou a ser tratada como serviço. Tornando-se assim um privilégio, já que dessa forma só está acessível a quem pode pagar.

Neste processo de privatização da educação, a assistência estudantil foi um dos primeiros alvos do neoliberalismo. No Brasil, as políticas neoliberais se intensificaram nos anos 90 e um marco negativo é o ano de 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi extinta do orçamento do MEC – Ministério da Educação – a rubrica específica que tratava da assistência estudantil. Isso aconteceu apesar da demanda potencial por programas de assistência situar-se em torno de 65%, sendo que apenas 2,6% dos estudantes das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) residem em moradias estudantis e apenas 74,5% das IFES possuírem Restaurante Universitário, segundo dados do FONAPRACE – Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis de 2004. A partir daí as IFES tiveram de custear a assistência estudantil dentro de seu orçamento geral.

Como conseqüência disso, hoje vemos uma assistência estudantil cada vez mais precária. Onde, numa tentativa ineficiente de atender à grande demanda, os benefícios estão sendo limitados às/aos estudantes, como no caso recente da Univasf – Universidade Federal do Vale do São Francisco – que teve repentinamente 45% de seu orçamento geral cortado pelo MEC e deste, a universidade cortou 75% do orçamento previso para a assistência estudantil. Sendo assim, para equilibrar a oferta de benefícios, cada estudante teria acesso a apenas um programa de assistência estudantil, por exemplo, se tivesse isenção de alimentação não poderia ter a residência, e vice-versa. Isso na prática inviabilizava a permanência das/os estudantes e vai de encontro ao PNAES que diz explicitamente que o direito a um benefício não impede o recebimento de outro. Felizmente este caso já foi resolvido e por sinal foi idealizado um Conselho de Assistência Estudantil onde o Feop teria uma cadeira. Reforço então aqui a idéia de que direito se conquista.

Contudo, em outros casos a situação continua caótica. Algumas universidades tiveram seus restaurantes fechados, pois o cargo de cozinheiroa/, por exemplo, foi extinto. Aqui na UFS mesmo existe essa preocupação, pois não se tem de fato uma proposta de como manter o Resun (Restaurante Universitário) aberto após a aposentadoria das/os funcionárias/os. Sabemos que algumas universidades conseguiram abrir restaurantes apesar da extinção do cargo de cozinheiro/a, mas para isso foi preciso muita luta das/os estudantes.

E neste sentido temos de ter em mente que o embate com o neoliberalismo é ideológico. Lutar contra o neoliberalismo é lutar contra o capital. Não podemos pensar em barrar o neoliberalismo e continuarmos com o capitalismo. Defender a assistência estudantil também é uma luta ideológica. É posicionar-se contra a realidade burguesa da universidade e propor um novo formato, onde a universidade possa refletir a realidade das/os estudantes de origem popular e ser de fato democrática. Mas democratizar o ensino superior não acontecerá apenas abrindo vagas, como propõem o Reuni. Além da expansão física, além de mudar a forma é preciso também mudar o conteúdo. Não é apenas uma questão de reforma da universidade. É o reconhecimento de para quem a universidade está proposta – seu conteúdo dialoga com quem? Por isso defender a assistência estudantil é reconhecer as/os estudantes de origem popular e defender de fato a democratização do ensino superior – que este esteja também voltado para as/os eop's, algo que o neoliberalismo desconsidera, sendo justamente o oposto.

Tratando-se das/os estudantes de origem popular, há uma lamentável situação que é a invisibilidade. A começar pelo vestibular que não reconhece a trajetória de vida das/os estudantes e as/os homogenizam ao fazerem a mesma prova e sofrerem a mesma avaliação. Isso está sendo questionado ao se adotarem as políticas de cotas e recentemente com a nova proposta de ingresso ao ensino superior apresentada pelo MEC. Mas dentro da lógica neoliberal, a responsabilidade pelo sucesso pessoal é transferida e depositada inteiramente no indivíduo. Assim, cabe ao indivíduo buscar por si só as formas de ingressar, se manter e concluir o curso. Essa lógica perversa distorce a assistência estudantil e deprecia as/os estudantes de origem popular que se sentem inferiorizadas/os por “precisarem” do auxílio da universidade. É muito comum a lamentação de não poderem conseguir seu sucesso acadêmico “por si só”. Por conta desta lógica assistencialista, as/os eop's se tornam reféns da assistência estudantil. Recentemente tivemos na UFS uma caso bem exemplar de como a responsável pela CODAE – Coordenadoria de Assuntos Estudantis – humilhava e fazia terrorismo psicológico com as/os residentes ameaçando cortar a bolsa. O que é um direito se torna favor. O cidadão se torna mendigo. Enfim, considerar o sucesso escolar como resultante único e exclusivo do mérito individual é uma das formas de encobrir as desigualdades sociais.

A assistência estudantil é o reconhecimento de que a universidade está aberta a todos os cidadãos de todas as classes sociais. Mas na forma que vem sendo tratada, a assistência estudantil está se tornando a institucionalização da elitização do ensino superior. A elitização já existe quando sabemos que o preenchimento das vagas em determinados cursos está condicionada ao recurso financeiro disponível para se investir no capital cultural. Pois diferente do liberalismo clássico, da época da burguesia nascente, que propôs os direitos do homem e do cidadão, entre os quais, o direito à educação, o neoliberalismo enfatiza mais os direitos do/a consumidor/a do que as liberdades públicas e democráticas e contesta a participação do Estado no amparo aos direitos sociais. A liberdade que postula é a liberdade econômica das grandes organizações, desprovida do conteúdo político democrático proposto pelo liberalismo clássico. Isso quer dizer que para além da situação atual de precarização da assistência estudantil, o que se propõem de fato para as universidade públicas é o fim da gratuidade do ensino. Como disse o professor Alfredo Julien, do departamento de História, a única liberdade que deu certo foi a liberdade de consumo.

Pelo que já foi exposto, podemos concluir que a idéia de assistência estudantil é diretamente oposta à lógica neoliberal, à lógica mercantilizadora da educação. Nas palavras de Maria da Graça Bollmann, Presidente da Associação de Educadores da América Latina e do Caribe, “a escola precisa formar cidadãos críticos, para que não sejam definidos e redefinidos pelo mercado”. E completando com a idéia de Orlando Pulido, “O fundamental, no entanto, para ampliar a capacidade de resistência, é construir projetos de alternativa política. Apesar de o neoliberalismo estar em crise, após isso surgirá uma alternativa dentro do próprio capitalismo. Afinal, um dos efeitos deste modelo foi ter desaparecido com os partidos e retirado dos movimentos sociais a capacidade de construir alternativas políticas. Temos que superar isso e garantir a capacidade de construir organizações políticas alternativas com condições de disputar a hegemonia”. É fundamental que a universidade não seja um espaço de absorção pelas/os estudantes de origem popular da ideologia burguesa. A assistência estudantil, entre outras coisas, deve ter a capacidade de valorizar o saber popular. De garantir a diversidade social, ao invés de acabar com ela. Para tanto, não podemos esquecer que a luta das/os estudantes de origem popular não está desassociada da luta das/os trabalhadoras/es, da emancipação da mulher, da diversidade sexual e étnico/racial, ou seja, da pluralidade da sociedade. E para lutar é preciso mais do que saber o que nos separa, é preciso saber o que nos une.

Referências
Bia Barbosa. GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO REQUER SUPERAÇÃO DO NEOLIBERALISMO.
Projeto do XXXII Encontro Nacional de Casas de Estudantes. UFSM, 2008.
PNAES – Plano Nacional de Assistência Estudantil.

Bloco de debates
Fabiano (UFAL): Não dá para falar em democratizar o acesso sem tocar na permanência. Na UFAL houve um corte de 50% na assistência estudantil.
Taéssia (UCSal): como falar da assistência sem falar da permanência? Como sou bolsista do Prouni não tenho direito a ter uma bolsa pesquisa, então qual o sentido de ter o acesso se não tenho garantida a permanência?
Danilo (Fneop): Fabiano tem de ter cuidado ao questionar a mesa dizendo que falar de democratização é preciso falar de permanência. Estamos num debate sobre assistência estudantil e isso é permanência. Já o caso da Taéssia, isso é uma questão de concepção e aí reforço que é uma disputa ideológica. Para o governo ninguém pode receber dois benefícios financeiros, então se você recebe desconto pelo Prouni não pode ter uma bolsa de pesquisa remunerada. Outro exemplo de concepção é o que significa permanência para o governo. Ao discutir um edital para um programa de permanência sugeri que no texto sobre a bolsa ficasse explícito que é uma bolsa de permanência pedagógica, ou seja, o estudante terá direito a comprar materiais como computador, câmara digital, etc. Mas isso não foi possível, porque para o governo permanência representa o básico: alimentação e transporte. Por isso reforço que a disputa é de concepção, é ideológica.

Leonardo (UFAL): É muito caro para cada estado bancar a assistência estudantil, por isso ela só virá através da lutas das/os estudantes.
Adaílton (EAD): não concordo com a professora Josiane quando ela diz que é contra a educação à distância na graduação. Na minha cidade não tem universidade presencial, então faço EAD porque preciso me capacitar.
Danilo (Fneop): é importante reconhecer a assistência estudantil, mas também é preciso reconhecer as/os estudantes de origem popular. Defender a assistência estudantil para que as/os eop's permaneçam na universidade, mas absorvam a ideologia burguesa é contraditório. Por isso defender a assistência estudantil é um debate ideológico. E Adaílton, cuidado para não absorver o discurso neoliberal da capacitação. Universidade não é para capacitar as pessoas, senão não haveria diferença para o ensino técnico. A Universidade é um espaço para formular um projeto de sociedade.

Tapioca: mesmo com a expansão proposta pelo Reuni quem está entrando na Universidade? E não podemos perder o foco, não é lutar por uma universidade particular de qualidade, mas sim lutar pelo ensino público de qualidade.
Cíntia: universidade privada é a privatização do ensino defendida pelo neoliberalismo.
Paulinha (UFS-recém formada): ser contra o Reuni é afirmar o que defendemos: ensino público, gratuito e de qualidade.
Danilo (Fneop): apesar de Tapioca ter falado antes de Cíntia, a fala dela completa bem o cuidado que devemos ter. A privatização da educação começou com a abertura em larguíssima escala das universidade privadas e tenta se completar agora com o fim das universidade públicas, do ensino gratuito. Quando defendemos a assistência estudantil estamos sendo frontalmente contra a ideologia neoliberal, já que uma é o oposto da outra.
Em toda minha fala sobre assistência estudantil não usei palavras como pobre ou carente que outras pessoas acabaram falando. Por que isso? Porque reconhecer essas/es estudantes como pobres estamos nos referindo apenas à sua condição financeira e esquecemos da cultura riquíssimas que possuem e não valorizamos o seu saber popular. Chamar de carente é reconhecê-las/os pelo que não possuem e ainda assim há falhas, pois, por exemplo, a cantora Janis Joplin era carente de afeto. Devemos reconhecê-las/os pelo que possuem e elas/es possuem um saber popular incrível, por isso a expressão estudantes de origem popular.

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