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Rio, sexta-feira, 26 de junho de 2009. Meio-dia, aproximadamente.
(Assim chamou-se a vitoriosa ocupação da Mem de Sá, e se dizemosvitoriosa, mesmo desalojada, é porque em tempo algum a estupidezvenceu as flores).
Bombas de efeito imoral... Coturnos e cassetetes... Spray... Meu rostovermelho de ódio e pimenta! Tanta força bruta, pouco direito, poucaeducação... Ordem para os pobres, progresso para os ricos!, alguém jádeve ter dito isso antes ...A constituição rasgada diante dos nossos olhos, a truculência policialdesfilando na avenida..., Sete de setembro? Não, despejo. Cacos dedireitos humanos pelo chão... Falou-se em cumprimento da lei, mascumprimento da lei não implica em humilhação e tortura, e se a lei nãoserve ao povo, e se o povo é a maioria, ora, então de que serve a lei?Era mais que “dever” aquilo, era perversão mesmo, fetiche... Aqueleshomens (?) se realizavam em sua violência... Alguns riam... Risos.
Crianças cantavam... Cantavam alegremente... Cantavam loucamente... Eo desespero se misturava ao amor... Cantavam palavras de ordem,cantavam o hino nacional, e também canções religiosas... Que importa?!As crianças cantavam, e cantando se formavam numa autêntica Educaçãopara a democracia! De maneira irônica e mesmo heróica os princípiospolíticos proclamados na LDB se cumpriam, crianças sem casa e talvezsem escola, mas não sem educação.
Sim, aquilo era Educação popular, um processo genuíno de formaçãopolítica das classes populares, um ato educativo, pedagógico mesmo. Eformando-os, também nos formávamos. Educação com o povo, educaçãopopular.
Agora, detidos e transportados como animais na traseira de umCamburão, dividindo um espaço ínfimo, quase sufocados, no auge donosso sofrimento, o companheiro Vlad. voltou-me os olhos úmidos esorrindo, perguntou:
- Como vai a vida, companheiro? Está amando?- Sim, amo, - respondi - mas não vou bem na faculdade...
E rimos, e assim sublimamos o sofrimento. A luta política é antes umaforma de ressignificar o sofrimento humano. O Vlad. pensou quemorreríamos (porque a viatura tomara um destino diferente doinformado), eu só queria sair dali, mesmo que fosse para isso - estavasufocando e àquela altura me concentrava em respirar. Em certo pontodaquele passeio bizarro, disse-lhe: - É só se concentrar, companheiro,concentre-se... Nossa companheira, no banco da frente, discutia firmee serena com o policial, e foi chamada de safada e palhaça por ele...Lá de trás, tivemos que ouvir isso em silêncio... A companheira E.continuava contestando e resistia bravamente. Minutos antes, num gestode paixão e desprendimento, a companheira D. lançara de volta um jarrode mágoas que um soldado romano havia atirado em nós, e o jarroenfumaçava a rua... E era como um incenso, incenso de repressão... Em certa altura da Batalha, tive a impressão de que a repressão doestado pesa de forma mais contundente sobre aqueles que têm a pelemais escura, ou menos clara, como queiram... Ouvi relatos dacompanheira G. voando pelos ares, enquanto eu era “conduzido”(recebendo uma “gravata”) com o corpo dobrado para frente, como emgesto de obediência e submissão... Não houve ofensa racial, de fato,mas houve tratamento racial; ali eu fui, sem dúvida, um escravo sendocapturado por um capitão do mato. O meu Black voava pelo ar, de pépara a luta. Vale dizer que aquela ocupação era negra. Neste país, opoder senti-se mais a vontade para se exercer sobre os não-brancos.Estávamos ali, e pessoas brancas e de belos olhos também lutavam eresistiam bravamente, e sofriam, e eram esmagados... E havia beleza ehorror naquilo tudo!
Sim, esmagados em plena a democracia, a ditadura continua para ospobres em geral e para os negros em específico.
Por fim chegamos, e após uma eternidade saímos. E quando saímos tocavaem algum canto da cidade uma canção do Bob Dylan, e sabíamos então queestávamos livres... Livres agora... Abraçamo-nos todos e todas,durante todo processo amparados por um bravo advogado, o companheiro eDr. A.P, homem de meia-idade que trazia nos olhos o brilho vivo daideologia, e animados pelo encorajamento de outros lutadores elutadoras. (E enquanto isso ocorria, muitos outros continuaram napraça de guerra, acompanhando, registrando e orientando todo oprocesso)Demos mais um passo em liberdade, e derrepente era preciso continuar aluta, a luta continua, alguém diria, havia inúmeras famíliasdesalojadas... Era preciso ainda ocupar e resistir!
R.Q.
P.S. Não participei organicamente do processo desta ocupação, nemposso me considerar diretamente engajado neste movimento. Somentecompareci ao ato em solidariedade a causa, e neste sentido aproveitopara manifestar o meu amor e respeito não somente às famíliasocupadas, mas a todos os companheiros e companheiras que efetivamenteconstroem esta luta no cotidiano das ocupações sem-teto do Rio dejaneiro. O movimento estudantil ainda tem muito a aprender com as ruas...
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Enviado por Sabrina Feop/RJ.