Texto baseado nesta propaganda
Sempre gostei de observar os comerciais brasileiros; nada pelos produtos em si, mais pela perspectiva artística que a propaganda brasileira costumava ter. Em certos períodos, tive muitos contragostos, especialmente à época em que as cervejarias desbundaram em propagandas sexistas, mal-feitas e repetitivas, até que, felizmente, a justiça decidiu - por pressão das feministas - pôr os limites necessários à liberdade de expressão. Afinal, democracia não justifica agressão e discriminação contra mulheres; pelo contrário, requer a garantia de serem tutelados os direitos fundamentais de todos os segmentos sociais.Bem, mas o que eu quero dizer é sobre a perspectiva artística das propagandas, e a respeito de como algumas delas marcam os telespectadores. Em Pernambuco, quem tenha mais de trinta anos não tem como não lembrar com um sorriso os jingles das Casas José Araújo, nos idos dos 1980, ou a cantiga doce de uma marca de açúcar cristal.Mais recentemente, em nível nacional, uma dessas campanhas bem sucedidas é a da Mastercard, que associa o consumo às coisas não-consumíveis, seduzindo quem assiste geralmente pela afetividade. Pois bem. A última das versões da campanha "Não tem preço" espantou-me com um exemplar bem "sutil" do racismo brasileiro, daqueles que poucas pessoas "conseguem" perceber. Ou querem perceber.
Trata-se de um jovem franzino branco lutando no ringue com um homem negro grande e forte. Do lado do negro, a altura e os músculos; do lado do branco, a sua força está num computador, em livros e, o que quer nos levar a pensar a propaganda, pela aplicação intelectual do jovem branco. Ao final da luta, o negro desaba enquanto o jovem ergue os braços e o narrador finaliza: "passar no vestibular: não tem preço".
Muito interessante como a propaganda descreve exatamente o pensamento comum referente ao "lugar" do negro na perspectiva racista brasileira, principalmente em relação à educação. Se de um lado o negro aparece superior fisicamente, com sua "força bruta", muscular, o branco o supera pelo "mérito" individual da intelectualidade e, por isso mesmo, derruba o primeiro para ocupar um lugar de privilégio - a universidade. Assim é a idéia geral que povoa o imaginário brasileiro, principalmente em relação às cotas.
A propaganda da Mastercard parece ter sido escrita por aqueles intelectuais de gabinete que criticam as cotas como uma ameaça à meritocracia individual, elitista e racista; quem sabe, foi mesmo. Não duvidaria. Afinal, a igualdade racial é um preço muito caro que alguns segmentos da sociedade não querem pagar, para não terem de ver o negro e a negra se defenderem dos golpes que historicamente receberam. O medo, tão grande, desse "jovem branco franzino", é da reação; de ver-se contra-atacado, golpeado e jogado ao chão, humilhado, assim como fez ao outro.
Mas erra quem vai nesse caminho. Em nenhum momento, a defesa das cotas quer colocar as coisas como uma luta de boxe, no qual o "vencedor" deixa o outro derrubado na lona, vencido. Pelo contrário. Queremos sim que o vestibular saia do ringue e que a universidade seja um campo democrático, sem disputa ou concorrência - tão-somente de conhecimento. E, necessariamente, da socialização deste conhecimento.
Queremos que a educação não tenha preço, nem pagantes, nem excluídos. Sem os nocautes da injustiça social e do racismo, que fazem a pessoa negra pagar sempre muito caro por sua existência. O racismo causa, inclusive, um estrago que não tem valor que compense. Só a consciência social - e essa sim, não tem preço, apesar de ser ainda tão cara em nossa sociedade.
Rebeca Oliveira Duarte
"Não me digas que não podes; querendo Deus e dando-te coragem, poderás." (Sócrates, em Platão, "Teeteto")
Rebeca Oliveira Duarte Observatório Negro
Rua do Sossego, 253 - sala 02 - Boa Vista
Recife-PE - CEP 50.050-080
F: 00 55 81 34231627/94211435
observatorionegro@gmail.com
--
Regina Maria Faria Gomes
“Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida, e viver com paixão, perder com classe, e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem mais se atreve. E a vida é muito, para ser insignificante.” CHARLES CHAPLIN
Que assim seja em 2009!!
Visitem nossos blog:
http://rmfgomes.blogspot.com/
http://casaser.blogspot.com/
http://regomes1.blogspot.com/
---
Assisti ontem ao comercial e fiquei perplexa. Nitidamente a Mastercar, na condição de defensora da visão elitista mostra que o povo negro tenta levar vantagem, impondo uma força violenta, mas, quão brilhante é a conquista da vitória a partir do mérito, do esforço intelectual.
Concordo que o anuncio trata-se de uma analogia negativa a política de cotas; Evidencia e aclama como melhor o branco, aquele que tá preparado na cognição, porque envidou seus próprios esforços para tal, e isso ‘não tem preço’. Avisa que se for pelo uso da força simbólica, presente no imaginário popular, o negro já perdeu, a exemplo das cotas "que vem verticalmente", mas não tem consistência teórica e ideológica para ganhar na correlação de forças com os setores da sociedade. Logo, se qualquer branquinho franzino, no ringue deste mecanismo político em exercício, atingir os pontos vitais da pessoa negra, ela irá cair, porque a grande técnica é Estudar, Saber e consequentemente Vencer.
Carla Akotirene - 071 8108/6339; 8854/3034; 3242-9794
Coordenação do Fórum Nacional de Juventude Negra/Ba
Articulação Brasileira de Jovens Feministas
Campanha Reaja ou Será Mort@
Sempre gostei de observar os comerciais brasileiros; nada pelos produtos em si, mais pela perspectiva artística que a propaganda brasileira costumava ter. Em certos períodos, tive muitos contragostos, especialmente à época em que as cervejarias desbundaram em propagandas sexistas, mal-feitas e repetitivas, até que, felizmente, a justiça decidiu - por pressão das feministas - pôr os limites necessários à liberdade de expressão. Afinal, democracia não justifica agressão e discriminação contra mulheres; pelo contrário, requer a garantia de serem tutelados os direitos fundamentais de todos os segmentos sociais.Bem, mas o que eu quero dizer é sobre a perspectiva artística das propagandas, e a respeito de como algumas delas marcam os telespectadores. Em Pernambuco, quem tenha mais de trinta anos não tem como não lembrar com um sorriso os jingles das Casas José Araújo, nos idos dos 1980, ou a cantiga doce de uma marca de açúcar cristal.Mais recentemente, em nível nacional, uma dessas campanhas bem sucedidas é a da Mastercard, que associa o consumo às coisas não-consumíveis, seduzindo quem assiste geralmente pela afetividade. Pois bem. A última das versões da campanha "Não tem preço" espantou-me com um exemplar bem "sutil" do racismo brasileiro, daqueles que poucas pessoas "conseguem" perceber. Ou querem perceber.
Trata-se de um jovem franzino branco lutando no ringue com um homem negro grande e forte. Do lado do negro, a altura e os músculos; do lado do branco, a sua força está num computador, em livros e, o que quer nos levar a pensar a propaganda, pela aplicação intelectual do jovem branco. Ao final da luta, o negro desaba enquanto o jovem ergue os braços e o narrador finaliza: "passar no vestibular: não tem preço".
Muito interessante como a propaganda descreve exatamente o pensamento comum referente ao "lugar" do negro na perspectiva racista brasileira, principalmente em relação à educação. Se de um lado o negro aparece superior fisicamente, com sua "força bruta", muscular, o branco o supera pelo "mérito" individual da intelectualidade e, por isso mesmo, derruba o primeiro para ocupar um lugar de privilégio - a universidade. Assim é a idéia geral que povoa o imaginário brasileiro, principalmente em relação às cotas.
A propaganda da Mastercard parece ter sido escrita por aqueles intelectuais de gabinete que criticam as cotas como uma ameaça à meritocracia individual, elitista e racista; quem sabe, foi mesmo. Não duvidaria. Afinal, a igualdade racial é um preço muito caro que alguns segmentos da sociedade não querem pagar, para não terem de ver o negro e a negra se defenderem dos golpes que historicamente receberam. O medo, tão grande, desse "jovem branco franzino", é da reação; de ver-se contra-atacado, golpeado e jogado ao chão, humilhado, assim como fez ao outro.
Mas erra quem vai nesse caminho. Em nenhum momento, a defesa das cotas quer colocar as coisas como uma luta de boxe, no qual o "vencedor" deixa o outro derrubado na lona, vencido. Pelo contrário. Queremos sim que o vestibular saia do ringue e que a universidade seja um campo democrático, sem disputa ou concorrência - tão-somente de conhecimento. E, necessariamente, da socialização deste conhecimento.
Queremos que a educação não tenha preço, nem pagantes, nem excluídos. Sem os nocautes da injustiça social e do racismo, que fazem a pessoa negra pagar sempre muito caro por sua existência. O racismo causa, inclusive, um estrago que não tem valor que compense. Só a consciência social - e essa sim, não tem preço, apesar de ser ainda tão cara em nossa sociedade.
Rebeca Oliveira Duarte
"Não me digas que não podes; querendo Deus e dando-te coragem, poderás." (Sócrates, em Platão, "Teeteto")
Rebeca Oliveira Duarte Observatório Negro
Rua do Sossego, 253 - sala 02 - Boa Vista
Recife-PE - CEP 50.050-080
F: 00 55 81 34231627/94211435
observatorionegro@gmail.com
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Regina Maria Faria Gomes
“Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida, e viver com paixão, perder com classe, e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem mais se atreve. E a vida é muito, para ser insignificante.” CHARLES CHAPLIN
Que assim seja em 2009!!
Visitem nossos blog:
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http://casaser.blogspot.com/
http://regomes1.blogspot.com/
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Assisti ontem ao comercial e fiquei perplexa. Nitidamente a Mastercar, na condição de defensora da visão elitista mostra que o povo negro tenta levar vantagem, impondo uma força violenta, mas, quão brilhante é a conquista da vitória a partir do mérito, do esforço intelectual.
Concordo que o anuncio trata-se de uma analogia negativa a política de cotas; Evidencia e aclama como melhor o branco, aquele que tá preparado na cognição, porque envidou seus próprios esforços para tal, e isso ‘não tem preço’. Avisa que se for pelo uso da força simbólica, presente no imaginário popular, o negro já perdeu, a exemplo das cotas "que vem verticalmente", mas não tem consistência teórica e ideológica para ganhar na correlação de forças com os setores da sociedade. Logo, se qualquer branquinho franzino, no ringue deste mecanismo político em exercício, atingir os pontos vitais da pessoa negra, ela irá cair, porque a grande técnica é Estudar, Saber e consequentemente Vencer.
Carla Akotirene - 071 8108/6339; 8854/3034; 3242-9794
Coordenação do Fórum Nacional de Juventude Negra/Ba
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