segunda-feira, 20 de abril de 2009

Cotas, a concretização do princípio constitucional da igualdade

16/04/2009 - 11:08

A Constituição Federal de 1988 reconhece a diversidade do país e suas desigualdades étnicas, permitindo, em vários de seus artigos, a aplicação de políticas de discriminação positiva. Entre os objetivos fundamentais da República, descritos no artigo 3°, estão a constituição de “uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I)”, a redução das “desigualdades sociais e regionais (inciso III)” e a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (inciso IV).

O princípio da igualdade, ou da não-discriminação perante a lei, foi tido durante muito tempo como a garantia da concretização da liberdade. A importância deste princípio é inquestionável. No entanto, não é suficiente que o Estado se abstenha de praticar a discriminação em suas leis. Pois cabe a ele favorecer a criação de condições que permitam a todos se beneficiar da igualdade de oportunidades. Para tanto é preciso tratar os desiguais de forma desigual, elevando os desfavorecidos ao mesmo patamar de partida dos demais.

O direito internacional não considera discriminação racial as medidas tomadas com o único propósito de assegurar o progresso de grupos étnicos que necessitem da proteção necessária ao gozo de direitos humanos e liberdades fundamentais. Desde que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.

A adoção de políticas de cotas, inclusive, não é uma novidade na história de nossas leis. Já foram colocadas em prática cotas para trabalhadores brasileiros nas empresas, para filhos de agricultores nas universidades rurais, para portadores de deficiências no serviço público e no setor privado, e para mulheres nas candidaturas partidárias. No último ano do Governo FHC, por decreto foram criadas cotas de 20% para negros no serviço público federal. Nunca houve contestação a estas políticas que cumpriram seu papel.

O Projeto de Lei que estabelece a política de cotas raciais para o acesso às universidades públicas, em debate no Congresso Nacional, é muito bem-vindo na medida em que atende a uma realidade já consagrada em 23 universidades federais, 25 universidades estaduais e três centros federais de educação tecnológica (CEFETs). O sistema de cotas raciais, onde foi adotado, não ocasionou uma divisão entre alunos cotistas e não-cotistas. Seis anos após a adoção pioneira desta política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela Universidade de Brasília (UNB), podemos afirmar que a medida foi bem recebida no ambiente acadêmico, principalmente graças à abertura e à generosidade da juventude brasileira. Estudo realizado junto às instituições de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro que adotaram o sistema de cotas, demonstra que o coeficiente de rendimento médio dos alunos cotistas é tão bom quanto o dos demais alunos. E quanto à evasão escolar, as taxas de evasão são semelhantes.

Apesar dos avanços trazidos pela Constituição de 1988, ainda há muito a ser feito para eliminar as desigualdades raciais no Brasil. A política de cotas será um importante passo nesse sentido. É uma ação afirmativa que surge para reparar alguns fatores que impediram a plena emancipação dos negros no período pós Abolição. Não houve uma reforma agrária que garantisse aos negros o acesso à terra. Tampouco lhes foi assegurado o acesso à Educação, o que lhes permitiria, além da ascensão intelectual, assumir posições mais qualificadas dentre as atividades econômicas da então nascente indústria nacional. Desta forma, os negros permaneceram excluídos. Eis a origem da imensa dívida social do Estado e do conjunto da sociedade brasileira em relação a este segmento da população que hoje, no Brasil democrático de 2009, representa 49,5% de nossa população.

De forma indiscutível, ainda hoje a maioria dos pobres brasileiros é negra. Essa condição é, ao mesmo tempo, causa e consequência, num círculo vicioso que se auto-alimenta. A visão da pobreza associada ao negro, através do prisma do racismo, atribui ao próprio negro as causas de sua condição. Seja por acomodação ou pela falta de qualidades para a ascensão social. E, desta forma, a pobreza dos negros e sua ausência dos espaços de poder político e produção de conhecimento foi naturalizada ao longo de nossa história. Motivo pelo qual ainda hoje é raro encontrar negros em postos de chefia.

O saldo final da aprovação do Projeto de Lei não será apenas o aumento do número de negros nas universidades brasileiras. Será também a democratização do sistema educacional brasileiro que, de acordo com o ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, em artigo de 2003, “tradicionalmente, por diversos mecanismos, sempre reservou aos negros e pobres em geral uma educação de inferior qualidade, dedicando o essencial dos recursos materiais, humanos e financeiros voltados à Educação de todos os brasileiros, a um pequeno contingente da população que detém a hegemonia política, econômica e social do país”.

Edson Santos
Ministro da Igualdade Racial

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enviado por francis, UFBA
bluefrancis@ig.com.br

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Danilo, ufs
fneop

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