segunda-feira, 9 de março de 2009

Educação - nós queremos mais

Educação nós queremos mais: Conexões de Saberes, a Utopia necessaria aos estudantes de origem popular

-------------------------------------------------------------Gilney Costa*


Primeiro lugar gostaria de saudar a todas e todos. E dizer que é com imenso prazer que nós estudantes da UNIVASF – Universidade Federal do Vale do São Francisco nos reunimos com vocês bolsistas dos quatro cantos do país, para juntos dizermos a nossa palavra, denunciar a opressão que diariamente o jovem de origem popular passa dentro e fora dos contextos universitários e anunciar que “a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte”.

Dito isso, começarei por citar Paulo Freire, exímio educador brasileiro, nordestino, diga-se de passagem, que na década de 50 apresenta uma contribuição da mais alta importância no campo da educação popular: a conscientização e politização das massas em situação de opressão. Para ele, toda educação é em si mesma política e como tal, possui um compromisso com o outro, de modo que, ela implica em um certo modo respeitoso e antes de tudo ético, no desvelamento do mundo e da condição do sujeito como um ser-no-mundo-com-os-outros.

Avançando um pouco mais nesse dialogo com Paulo Freire, encontramos em pedagogia do oprimido (1970; 119) a sua concepção de humano, para ele “os homens são porque estão em situação. E serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de estar, mas criticamente atuem sobre a situação em que estão”.

Pensar dessa forma, nos leva a entender as palavras ovacionadas quase que seguidas por um orgasmo coletivo da Leonor Araújo, quando diz: “EU NÂO SOU DESCENDENTE DE ESCRAVO, MAS SIM DE AFRICANO". Ora se o ser é porque se encontra em situação não podemos ser descentes de escravos, uma vez que ser escravo não é (no sentido do verbo SER) condição essencial do ser humano. Logo, o negro não era escravo, O NEGRO ESTEVE EM PROCESSO DE ESCRAVIZAÇÃO. Não podemos deixar de lembrar que as senzalas, os rituais das práticas religiosas eram as formas de resistir ao senhor do engenho.

Por isso, que o conceito de ser em situação tem duas implicações significativas, primeiro que retomado do filosofo Jean Paul Sartre (s.d.) o sujeito não escolhe a sua situação, pois ele é um ser histórico, mas escolhe as atitudes diante de sua situação.

Dessa forma, temos como primeira implicação do conceito de ser em situação adesculpabilização, do sujeito pelo seu insucesso e fracasso, assim como o seu sucesso, ambos passam a ser entendido como resultado de uma rede social, que lhe marca o campo existencial e que não deve ser dicotomizada. E a segunda é o sobre a Liberdade de se criar histórico e socialmente, sendo ela o próprio sentido da existência.

“Não há dúvida, por exemplo, de que nosso passado escravocrata nos marca como um todo até hoje. Corta as classes sociais, as dominantes como as dominadas. Ambas revelvam compreensões do mundo e têm práticas significativamente indicativas daquele passado que se faz presente a cada instante. Mas o passado escravocrata não se esgota apenas na relação na experiência do senhor todo-poderoso que ordena e ameaça e do escravo humilhado que ‘obedece’ para não morrer, mas na relação entre eles. E é exatamente obedecendo para não morrer que o escravo termina por descobrir que ‘obedecer’, em seu caso, é uma forma de luta, na medida em que, assumindo tal comportamento, o escravo sobrevive. E é de aprendizado em aprendizado que se vai fundando uma cultura de resistência, cheia de ‘manhas’, mas de sonhos também. De rebeldia, na aparente acomodação. (FREIRE, 2003; 108)”

Passeando pela Pedagogia da autonomia, destacamos o que ele concebeu como o papel da educação, nos diz Freire (1996; 126), “se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante”. Poderia encerrar esse texto aqui, acrescentando somente que é por isso que é tão difícil escrever e fazer efetivamente a educação nós queremos mais.

Pode parecer estranho que numa época como a nossa que vem sustentando diversas formas de relações perversas com o outro e com o mundo, onde o ser foi reduzido a valor mercadológico alguém escreva um texto “Educação nós queremos mais: conexões de saberes a utopia necessária aos estudantes de origem popular”. Devo lembrá-los que tomo emprestado o termo utopia não como algo abstrato, que esta na ordem da fantasia, muito pelo contrario, retomo Paulo Freire, para o qual a utopia é fundante da práxis de tornar-se e existir humanamente. É ela que instaura, o sonho, e que de algum modo mobiliza o sujeito, potencializando a sua consciência de ser em situação, a sua luta para superar as situações limites, que se anuncia através das possibilidades, ou seja, estamos sendo histórico, social e economicamente condicionados, mas não determinados.

Isso me fez lembrar Paulo Freire quando em 1996, ele confessa que “me sentiria mais do que triste, desolado e sem achar sentido para minha presença no mundo, se fortes e indestrutíveis razoes me convencessem de que a existência humana se dá no domínio da DETERMINAÇÃO”
Muitos de vocês, nesse momento, devem estar se perguntando o que Paulo Freire tem haver com o conexões de saberes? Nesse momento, é imprescindível lembra-los que como diria o próprio Freire (1996; 160) “a alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura da boniteza e da alegria”.

Paulo Freire, neste sentido, está em perfeita sintonia com as práticas do conexões de saberes, somente para constar algumas dessas práticas:

- A educação de jovens e adultos;
- A importância dos trabalhos desenvolvidos pelo Brasil a fora, no sentido de juntamente com a comunidade fazer a leitura crítica do mundo, de forma emancipadora tanto humana quanto política, o que tem levados os sujeitos em situação de opressão correrem em busca da superação das situações limites;
- Os eixos norteadores do trabalho: acesso, permanência, sucesso e pós-permanência no ensino superior de forma universal no sentido de garantir efetivamente a sua democratização levando em conta a integralidade dos direitos da pessoa humana.

Nesse retorno que fiz ao Paulo Freire, pensava eu que nascer me estragou, é verdade. Analiso essa sociedade do espetáculo, da aparência, da contradição, na qual as inversões foram se consolidando cada vez mais a ponto de reduzir o humano a um estado de objeto.

Nos dias atuais, vige a regra de que é preciso antes de tudo ter, e o ser surge como conseqüência deste primeiro, virtudes como respeito, ética, solidariedade passam a ser esquecidas e somente são exercida em função do ter, o que tem contribuído com o que o Leonardo Boff em seu livro “saber cuidar: ética do humano compaixão pela terra” tem chamado de crise da civilização, ou crise civilizacional.

Isso inquieta a minha existência. Busco pensar, ou melhor, acredito que nascer me estragou, porque enquanto ser social, da opção, da busca, da falta, do desejo, da fratura, da sensibilidade, da revolta, da compaixão, do compartilhamento, enfim, enquanto ser HUMANO DEMASIADO HUMANO não posso acreditar, muito menos aceitar essa ideologia fatalista do século XXI, que insiste em criar abismo entre negros, índios e brancos, homens e mulheres, homossexuais e hetero, pobres e ricos, que insisti em rotular categorias de acordo com preceitos religiosos, políticos, ideológicos separando o humano do humano e de sua existência.

Nascer me estragou, porque rejeito e contesto toda e qualquer forma de determinismo social, de violência simbólica, de tortura ideológica que tenta impor que filho de peixe, peixinho é e tem que ser. Levantar essa bandeira, e rejeitar tal imposição é pagar um alto preço sem perder a dignidade e o comprometimento ético com o outro, que na verdade deixa de ser tão outro, para passar a ser o próximo. Defender essa causa é antes de qualquer coisa, respeitar o próximo em sua outridade.

Visto esta camisa, escrevo ideologicamente “EDUCAÇÃO NÒS QUEREMOS MAIS” para que jovens de origem popular, assim como nós tenham acesso e permanência com dignidade em uma universidade pública que na concepção é o seu lugar, por direito, mas na prática ainda é o desafio. É bem verdade, que a universidade não foi e nunca será via de realização única pessoal e profissional, mas é uma possibilidade a mais, que precisa estar inserida nos projetos de vida dos jovens e adultos de origem popular, é neste sentido que a educação deve ser para todos, no sentido, de que esse direito seja assegurado pelo Estado.

Assim, nos posicionamos contra vestibular por entender que ele não medeconhecimentos, não trata igual os desiguais, e ainda mais, que ele só atesta o não compromentimento do Estado Brasileiro em garantir o principio constitucional de que educação é um direito do cidadão e dever do estado.

É certo, também, que estamos mais que convencidos estaticamente de que nunca houve na historia desse país a presença em tão larga escala de estudantes de origem popular nas universidades federais, entretanto, tal presença não tem sido ainda o suficiente para diminuir o fosso social entre, parafraseando Freire (1970), oprimidos e opressores. Não é preciso dizer, que ao chegar à universidade o estudante de origem popular diminui o percentual da evasão (obvio que para que isso ocorra, não podemos deixar de lembrar políticas de permanência), os estudantes de origem popular são melhores da turma (nãosó em termos de conteúdo, mas de leitura crítica de sua realidade), além de terem compromisso social com quem esta fora das quatro paredes da instituição.

Por outro lado não podemos deixar de mencionar que a experiência nos tem apontado que não adianta inovar com traços de uma velha estrutura. A divisão de classe, não acabou com Marx, ela perdura ainda, hoje, gerando novas formas de exploração e escravização. Essa concepção de divisão de classe tem implicações seriíssimas aos estudantes de origem popular, somente para citar, destaco algumas:

1º ao ingressar no ensino superior o estudante não tem escore para concorrer à bolsa de iniciação cientifica, o que o torna mais vulnerável ainda à evasão;

2º a todo instante ele é “convidado” a negar a sua trajetória de vida, antes dauniversidade;

3º o estudante egresso de primeiro semestre não tem vínculos com a universidade, isso inclui vínculos com a instituição e vínculos sociais dentro da instituição.

O Programa conexões de saberes, como um espaço de dialogo entre universidade e comunidades populares tem se mostrado uma excelente tecnologia social, na promoção da democratização do acesso, sucesso, permanência e pós-permanência no ensino superior. Entretanto, vocês assim como eu, sabem que o conexões é hoje um programa de governo e não uma Política de Estado, logo, se algum outro presidente assumir a gestão do país e não estiver sensível as suas causas o programa pode deixar de existir, como também pode se fortalecer, em suma, as chances são 50% para continuar e 50%para deixar de existir.

Convêm, no entanto, ressaltar que em se tratando de saúde e educação, estamosfalando de vidas, por isso mesmo, merecem respeito e, sobretudo ética, dessa forma não podemos trabalhar com projeções, precisamos do concreto. Mas, afinal que concreto é esse?

1º Que a Secretaria de Educação Alfabetização Continuada e Diversidade - SECAD, seja pelo FNDE, ou por algum outro órgão, se comprometa efetivamente com o pagamento das bolsas já que o pagamento delas através de fundações tem encontrado empecilhos legais do Tribunal de Contas da União;

2º Que o Ministério da Educação e Cultura – MEC, compactue junto ao Governo Federal, os Institutos Federais de Ensino Superior (IFES), e os Conexistas, a elaboração de um projeto de lei, que eleve o Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares a categoria de políticas públicas;

3º, e último ponto, gostaria de contar algo que considero de fundamental importância trazer a baila, é o caso que estamos vivenciando com o Pré-vestibular Comunitário da UNIVASF, que trabalhando na perspectiva de educação efetivamente inclusiva, se prepara para garantir direitos a quem de fato possui direitos, através da integralização dos direitos da pessoas com deficiência.

Para terminar, nada melhor do que Paulo Freire (1970; 172) quando diz que “os heróis são exatamente os que ontem buscavam a união para a libertação e não os que, com o seu poder, pretendiam conquistar para reinar”.

* Graduando do V período do curso de psicologia pela UNIVASF – Universidade Federal doVale do São Franscisco, bolsista do Programa Conexões de Saberes: diálogos entre auniversidade e as comunidades populares, desde 2007.

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