Pesquisador colaborador da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Ensino Superior da Universidade de Brasília
jacques.velloso@terra.com.br
RESUMO
As cotas nos exames de seleção para a educação superior surgiram no cenário das universidades públicas brasileiras há cinco anos, em 2003. Inicialmente na modalidade de reserva de vagas para egressos da escola pública, contendo, no interior destas, cotas para negros e, em alguns casos, para indígenas. No ano seguinte, em 2004, foram implantadas na Universidade de Brasília – UnB –, na modalidade de reserva de vagas para negros. Ao longo de poucos anos ampliou-se rapidamente a adoção do sistema de reserva de vagas no país.
Em novembro de 2008, enquanto se finalizava a elaboração deste artigo, em Brasília a Câmara dos Deputados aprovava projeto de lei estabelecendo, nas instituições federais de educação superior, cotas de 50% das vagas para jovens oriundos da escola pública no ensino médio e para negros e indígenas.
Uma das críticas à reserva de vagas baseia-se no argumento de que deficiências na formação escolar anterior dos cotistas consistiriam em ameaça à qualidade do ensino universitário. O argumento tem fundamento lógico: se os cotistas tivessem idênticas chances de competição nos vestibulares, a reserva de vagas careceria de sentido. Resultados do vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj –, por exemplo, uma das primeiras a implementar um sistema de cotas, poderiam sustentar esse argumento. No primeiro vestibular da instituição com cotas, em dez de seus cursos, segundo relato de Santos (2006), ingressaram cotistas que obtiveram entre quatro e sete pontos nos exames, de um total de 110 possíveis – um nível de desempenho extremamente baixo.
Mas o argumento não tem encontrado apoio em dados empíricos sobre o rendimento no curso de cotistas em várias universidades, como nos obtidos para a Universidade do Estado da Bahia – Uneb. Na Uneb, as médias de rendimento dos alunos que haviam concorrido pela reserva de vagas para negros, em uma amostra de 11 departamentos, geralmente se situavam apenas alguns décimos de pontos abaixo das obtidas pelos demais estudantes; em dois departamentos, foram superiores – também por alguns décimos – às dos outros alunos (Mattos, 2006). Noutra universidade do mesmo estado, a Universidade Federal da Bahia – UFBA –, os estudantes que ingressaram pelas cotas (para egressos da escola pública e, dentro destas, para negros) tiveram rendimento igual ou superior ao dos demais alunos em 61% dos 18 cursos mais valorizados (Queiroz, Santos, 2006).
A evidência preliminar obtida para a UnB também não chegava a sustentar aquele argumento, igualmente dissipando temores de uma forte queda na qualidade do ensino como consequência inelutável da introdução das cotas para negros. Os resultados do primeiro semestre de estudos dos aprovados na UnB em 2004 revelaram que, no conjunto de todos os alunos, mais de 1/3 dos cotistas se situavam na metade superior da distribuição do índice de rendimento acadêmico em seus respectivos cursos, ao lado dos melhores estudantes aprovados pelo sistema universal (Velloso, 2006)1 .
Aqueles mesmos dados da UnB indicavam que os cotistas aprovados constituíam uma elite social no interior de seu segmento, ainda que uma segunda elite quando comparada à dos não-negros universitários. Esse traço do perfil dos cotistas conferia a muitos estudantes condições de um bom rendimento na universidade, melhores do que antes se antecipava. Com efeito, a seleção socioeconômica realizada pelo filtro do vestibular, amplamente documentada na literatura sobre o ingresso na educação superior, como reitera recente estudo de Dias et al. (2008) para a Universidade Federal de Minas Gerais, naturalmente se verifica também para os cotistas da UnB. Nesta, entre candidatos cotistas ao vestibular para os segundo semestre de 2004, 17% tinham mãe com nível superior, ao passo que entre os aprovados essa fração ascendia a 30%, quase o dobro. De modo análogo, entre candidatos negros da mesma coorte, 27% haviam frequentado escola privada no ensino médio, ante 40% dos aprovados2 . Processo semelhante foi documentado na Universidade de São Paulo, por exemplo, instituição na qual não existe reserva de vagas, mas onde a probabilidade de aprovação cresce conforme aumenta a classe socioeconômica de pretos e pardos, e também dos membros dos outros grupos de cor (Guimarães, 2003).
Neste texto analisa-se o rendimento de três turmas de alunos cotistas e não-cotistas, que ingressaram na UnB em 2004, 2005 e 2006. Desejavase saber se, em cada coorte de estudantes, os que concorreram pelas cotas tinham rendimento diverso dos que se candidataram pelo sistema de ingresso tradicional, e se havia diferenças de desempenho entre elas. Na próxima seção abordam-se os procedimentos adotados. Na seção seguinte analisam-se os resultados obtidos por área do conhecimento do vestibular da UnB: Humanidades, Ciências e Saúde. Na última, apresenta-se uma breve nota final.
1. Resultados semelhantes foram obtidos por Cunha (2006), com a mesma fonte de dados e classificação dos níveis de rendimento um pouco diferente.
2. Para melhor situar a posição social dos cotistas aprovados, considere-se que os concluintes do ensino médio privado no Distrito Federal em 2003 correspondiam a apenas 26% do total, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaionais/Ministério da Educação – Inep/MEC. No conjunto dos alunos matriculados em 2004 em instituições federais de educação superior, 43% deles eram originários de escola privada no ensino médio, conforme dados compilados por Seiffert e Hage (2008).
Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, maio/ago. 2009
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Enviado por Alexandre Tenório (Coord. Conexões/UFRPE) e Francisco Marcelo (Feop/RJ)
sencenne coord. geral
Um comentário:
Porém, os vestibulares das públicas sempre disseram que tais eram inqualificáveis para fazer curso superior. Por quê??? Se queiser conhecer a minha pesquisa que mostra as razões disto, peça; joaobatistanascimento(arroba)yahoo.com.br
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