quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O IMPACTO DO INGRESSO DOS ESTUDANTE DE ORIGEM POPULAR NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


Autoras/es:
Agnaldo dos Santos
Alizete dos Santos
Bruno da Silva Santana
Catia Matias dos Santos
Helenilza Joelma da Costa Santos
José Leidivaldo de Oliveira
Tiago do Rosário

Instituição:
UFS


Resumo:
O presente artigo pretende de uma forma sucinta explanar sobre o impacto causado com o ingresso de estudante de origem popular nas universidades públicas, especificando a UFS. Vê-se pertinente refletir também acerca das atuais políticas de assistência estudantil desenvolvida pela instituição, bem como, tratar das condições necessárias para garantir a permanência com qualidade destes estudantes.

Palavras-chaves: UFS, estudante de origem popular, Assistência estudantil, Permanência


INTRODUÇÃO
O ingresso de estudantes de origem popular (EOP) nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) demonstra a necessidade de se criar novas políticas públicas que assegurem a permanência dos mesmos com qualidade. A importância de discutir os impactos ocasionados pelo ingresso desses estudantes, levou a produzir uma síntese sobre essa temática nas universidades públicas, com ênfase na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Nesse sentido são objetivos do trabalho refletir sobre a possibilidade de criação ou ampliação de políticas que assegurem a permanência com qualidade dos estudantes de origem popular, como também problematizar as possíveis adequações que as IFES sofrem a partir das necessidades específicas dos mesmos. Para tal são pertinentes as seguintes questões: Quais são as adequações que a universidade sofre com a entrada de EOP’s e quais são os impactos causados na universidade?

Este trabalho se deu a partir de discussões realizadas em GDT (Grupos de Discussão e Trabalho), dentro das temáticas de acesso e permanência. Para tanto utilizam artigos, livros e entrevistas que embasaram e possibilitaram as reflexões aqui expostas.

O ingresso de EOP’s na UFS, mesmo que ainda em pequena quantidade tem gerado algumas necessidades. Em entrevistas realizadas constatou-se essa demanda e a partir disso, surgiram os seguintes questionamentos: quais são essas necessidades? Elas são supridas? Quais são as ações desenvolvidas por essa instituição para atender tal demanda?


Ingresso e Permanência: a visão dos estudantes sobre a UFS
Em uma sociedade em que a concentração de renda é tão grande quanto à brasileira, aliado à adoção de políticas de cunho neoliberal, torna-se evidente que aqueles que tiverem melhores condições de financiar a sua educação, também terão melhores oportunidades. A isenção do Estado em financiar a educação pública, e privilegiar as ciências que promovem a construção de um conhecimento que pode ser apropriado pelo capital, choca-se com a demanda social de ingresso de EOP’s nas IFES.

Observa-se que as dificuldades enfrentadas pelos estudantes na UFS, apresentam-se de acordo com as condições sócio-econômicas dos mesmos. Ao questionarmos um aluno1 do curso de farmácia sobre as dificuldades que ele enfrentou quando do seu ingresso na UFS, o mesmo respondeu que:

“A principio, não vejo dificuldades nenhuma, realizei um sonho e tenho que batalhar para seguir a diante. Mas as dificuldades com a xérox (sic), livros são sem duvidas constantes na universidade”.

Diante disso podem-se analisar dois pontos: primeiro é que ele diz a principio não ter dificuldade mesmo reconhecendo os constantes gastos materiais durante o curso, com isso ele “naturaliza” as dificuldades básicas que refletem as reais condições sócio-econômica dos EOP’s. É a partir dessa “naturalização” que tal situação se universaliza. E é partindo dessa percepção que a maior parte das IFES não prevêem nenhuma ajuda de custo material para essa demanda. Outro ponto é que o ingresso é visto como uma vitória individual e, a permanência é uma “conseqüência” que deve ser assumida pelo discente. Segundo Enguita:

A escola contribui para que os indivíduos interiorizem seu destino, sua posição e suas oportunidades sociais como se fossem sua responsabilidade pessoal. Assim, os que obtém melhores oportunidades atribuem-nas a seus próprios méritos e os que não as obtém consideram que é sua própria culpa. As determinações sociais são ocultadas por detrás de diagnósticos individualizados, legitimados e sacralizados pela autoridade escolar.(ENGUITA, 1989,p. 193)

Essa é a ideologia propagada pelas instituições de ensino de modo geral, não isentando o ensino superior. Com isso o sistema educacional se omite da responsabilidade do fracasso na medida em que o transfere para o individuo, no caso em questão o aluno.

Uma aluna2 do curso de Química Industrial ao ser indagada sobre as condições disponibilizadas ao que se refere a permanência na UFS relatou que:

“A UFS não garante a minha permanência, somente o entusiasmo e a necessidade de entrar no mercado de trabalho é que fazem a minha permanência”.

Segundo Enguita (1989, p. 195) , “estuda-se em suma por que a escola promete mobilidade social aos que não gozam de uma posição desejável e promete mantê-la para os que já desfrutam dela”. Essa percepção da função da universidade como preparadora de mão de obra para o mercado de trabalho também é vista por um aluno3 do curso de Geografia que relata:

“Ora, sabemos que a universidade hoje não estimula, geralmente, reflexões e atuações na sociedade, e sim, servem de criadouros de massa de trabalhadores para o mercado desumano do sistema do capital.”

Por outro lado, além do material, a falta de acompanhamento pedagógico também é um problema enfrentado pelos EOP’s. como afirmou uma estudante4 de Turismo:

“Há uma diferença do nível de conteúdos, pois não percebi uma continuidade do que é ensinado no ensino médio (...) pois devido a essa discrepância na diferença dos conteúdos você nem sempre consegue acompanhar o ritmo da universidade principalmente para quem estudou em colégio público”.

Tais dificuldades são mais visíveis entre os alunos oriundos de escola pública. Apesar dos professores cobrarem igualmente dos alunos tanto de escolas particulares quanto de escolas públicas, estes últimos sofrem mais com as exigências acadêmicas devido às deficiências advindas da precariedade do sistema de ensino básico público.


A Assistência estudantil oferecida na UFS

A entrada de EOP’s na UFS, causa impactos na tradicional estrutura acadêmica, diante da demanda existente surgem necessidades para que os mesmos permaneçam com qualidade na instituição ao longo de sua trajetória acadêmica. Tais situações advindas do ingresso desses discentes, implicam na criação de políticas publicas de assistência estudantil. Em âmbito local, a UFS atualmente oferta para esses estudantes um programa de “assistência estudantil”, que abrange: a residência universitária, isenção de taxas acadêmicas, bolsa trabalho, bolsa alimentação, núcleo de assistência psico-social, etc. ue apesar de existirem sua oferta é pouco eficiente, na maioria das vezes, e funciona como assistencialismo.

As formas de “assistência estudantil” ofertada pela UFS são pouco conhecidas pelos estudantes. Apenas uma pequena parcela tem acesso a essas informações o que não significa dizer que estes sejam contemplados, pois as vagas são insuficientes ou limitadas.

Logo é possível afirmar que as condições dentro da academia desempenham função sine qua non no processo de aprendizagem e no aspecto qualitativo na formação do estudante. O acesso às condições necessários para um bom rendimento dos estudos tem sido negado aos EOP’s na maior parte de sua trajetória escolar – e também não é diferente no ensino superior. Isso pode ser aferido ao observar a defasagem das bibliotecas: muitos livros essenciais é apenas utopia e lacunas nas prateleiras da BICEN (Biblioteca Central). Além de existir desigualdade no seu acervo entre os cursos – uns são mais contemplados que outros. Pela referida falta, os estudantes de origem popular são obrigados a fotocopiar esses materiais pedagógicos, ou precisam pedir emprestada a cópia de um colega para desenvolver suas atividades acadêmicas.

No que tange a alimentação, o RESUN – Restaurante Universitário – oferece para todos os estudantes durante a semana almoço e jantar a uma taxa de R$ 1,00 (um real) cada refeição. A bolsa alimentação isenta da taxa aqueles que comprovarem sua condição de extrema carência. Contudo, poucas pessoas têm ciência da existência desta bolsa, além de as vagas serem insuficientes, o que obriga a grande parte dos estudantes que necessitam (os EOP’s) a se sacrificarem no que correspondem à sua permanência na universidade.

Para os residentes é ofertada a isenção de taxas acadêmicas, direito à bolsa alimentação no RESUN, atendimento psico-social e acompanhamento pedagógico. Quanto à Residência Universitária, a prioridade é para os alunos carentes advindos do interior do estado. Sendo que a UFS tem um caso muito peculiar: as residências são núcleos residenciais separados por sexo, nos quais 8 (oito) estudantes dividem um apartamento situado em vários bairros de Aracaju. A deficiência deste sistema se revela nos seguintes pontos:

  • Os alunos são responsáveis por locar os imóveis e quitar débitos referentes a água, luz, aluguel, material de limpeza e condomínio com uma bolsa de R$ 702,00, sendo que cada item possui um limite máximo a ser gasto.
  • O fato de serem núcleos residenciais faz com que os residentes tenham seu grupo fragmentado, o que dificulta a mobilização por melhorias.
  • Através desse modelo de Residência, há um desvio de investimento no setor publico para o privado.
  • O deslocamento dos residentes dos núcleos até a Universidade acarreta um custo pago pelo próprio residente, sendo que as normas do Programa de Residência Universitária não permitem nenhuma forma de vínculo empregatício, nem direito a bolsa trabalho ofertada pela PROEST5.
  • No tocante à alimentação, ela é feita no RESUN, o que implica no não recebimento de café da manhã e nem refeições nos finais de semana e feriados.
  • As vagas são insuficientes para atender à grande demanda existente.
  • O acompanhamento pedagógico funciona como fiscalização. O estudante é procurado quando tranca uma disciplina, reprova ou a média ponderada diminui. A procura não é para oferecer algum tipo de auxílio ou orientação, é para advertir.
Portanto, podemos perceber que essas ações são paliativas e a universidade continua se eximindo do compromisso de assumi-las como assistência e não assistencialismo. Este fato demonstra a necessidade da Universidade reconhecer a presença de estudantes de origem popular na instituição e partindo disso adequar suas estruturas, propostas, perspectivas e principalmente, diante dessa nova demanda, um dialogo maior com as comunidades populares.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As dificuldades demonstradas no decorrer desse trabalho são frutos da insuficiência de políticas institucionais e até mesmo educacionais, que garanta a permanência do EOP’s no ensino superior público. O ingresso dos EOP’s na UFS não acarretou modificações significativas na estrutura tradicional da instituição, a qual historicamente funciona para a formação de uma “elite” que não necessita de tais políticas.

Pode-se perceber que a UFS reconhece a existência6 de estudantes de origem popular na medida que esta oferta um programa de assistência estudantil que tem a finalidade de possibilitar a permanência, porém funciona com o caráter paliativo. A partir das discussões acerca do acesso e da permanência dos EOP’s pode-se aferir algumas propostas:

  • Construção de um complexo residencial no Campus;
  • Acompanhamento pedagógico efetivo;
  • Ampliação e atualização do acervo da Biblioteca (BICEN);
  • Elaboração de projetos permanentes de assistência estudantil.
Enquanto a assistência estudantil na UFS não for repensada e o número de EOP’s na mesma continuar crescendo, a formação acadêmica destes estudantes estará comprometida em questões de qualidade. Logo, não basta, apenas, garantir o ingresso é imprescindível criar políticas que garantam sua permanência.


BIBLIOGRAFIA:

ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola: Educação e Trabalho no Capitalismo. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 5ª edição- São Paulo, Cortez, 2001. (Coleção questão de nossa época, v. 23).
FOUCAULT, M. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1996.
VASCONCELOS, Simão Dias; SILVA, Ednaldo Gomes da. Acesso a universidade publica através de cotas: uma reflexão a partir da percepção dos alunos de um pré- vestibular inclusivo. Revista Ensaio: avaliçao e políticas publicas em educação. Rio de Janeiro, CESGRANRIO, v. 13, n. 49, out./dez.2005.
ZAGO, Nadir. Do acesso a permanência no ensino superior: percursos de estudantes universitários de camadas populares. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n. 32, Rio de Janeiro. Maio/ ago. 2006.

1. Aluno oriundo do sistema de ensino privado, graduando em Farmácia.

2. Aluna oriunda do sistema de ensino público, graduando em Química Industrial
3. Aluno oriundo do sistema de ensino privado, graduando em Geografia.
4. Aluna oriunda do sistema de ensino público, graduando em Turismo.
5. Pró-reitoria de assistência estudantil
6. A Universidade Federal de Sergipe dispõe de dados referentes a condição sócio-econômicos dos estudantes, sendo uma das formas a inscrição do vestibular.



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Trabalho apresentado no III FEOP RJ
danilo, feop/se
sencenne coord. regional

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